Nathan Blanche *
O capitalismo passa por uma crise como já passou ao longo das últimas décadas e deve sair desta mais forte como saiu das anteriores. Os profetas do caos mais uma vez vão errar, pois o capitalismo não tende a acabar.
É fato que todos os países se beneficiaram por muitos anos do excesso de liquidez no mundo, inclusive o Brasil, que atraiu capital externo, alavancou o crédito e ganhou com os elevados preços das commodities. Os países que não se beneficiaram foram Cuba e Coréia do Norte, que agora não terão de pagar pelo excesso, mas continuam tão pobres quanto antes.
Entre 1970 e 2002, o PIB mundial cresceu em média 3,6% ao ano. Já entre 2003 e 2007 essa média foi de 4,8%. Justamente neste período ocorreu uma grande distribuição de renda entre países ricos e pobres.
É interessante observar que quem liderou esse crescimento do bloco dos países “pobres” foi a China, que, embora possua regime político comunista, se tornou uma economia capitalista e detém as maiores reservas em dólares do mundo (50% do PIB) e a maior influência na formação de preços das commodities. Vale ressaltar que o grupo dos países europeus que recentemente se despediram do comunismo e participam do Mercado Comum Europeu cresce acima da taxa média global. Ou seja, muita riqueza foi gerada nos últimos anos e engana-se quem acha que só os “ricos” ganharam. Os “pobres” também ganharam – e muito -, por meio da geração de emprego, renda e consumo.
Inclusive, outra faceta do ganho de importância e crescimento dos países emergentes é que eles sustentaram o crescimento mundial mesmo com os desenvolvidos perdendo fôlego, como mostra o descolamento entre o PIB dos emergentes e o dos países desenvolvidos. Essa realidade não deixou de trazer problemas para os desenvolvidos, que precisaram subir os juros mesmo com a desaceleração da atividade econômica, diante do risco de a forte alta de preços das commodities (sustentada pelo crescimento dos emergentes) contaminar os demais preços da economia.
A alta de juros certamente foi um dos motivos centrais no processo do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.
A situação ficou ainda mais complicada para os bancos centrais de países desenvolvidos, especialmente para o Fed, que diante do estouro da bolha do setor imobiliário afrouxou a política monetária para tentar lidar com os efeitos sobre a economia real. E quanto mais baixava os juros, mais o dólar se desvalorizava e mais os preços das commodities em dólares subiam (dado ainda o forte ritmo de crescimento dos emergentes e em especial da China), o que complicou ainda mais a administração da inflação num momento de retração da atividade.
Nesse contexto, ficam claros os dilemas ligados à nova estrutura da economia mundial. Mas isso também evidencia que os excessos vistos no mundo nos últimos anos não são só responsabilidade de um país, mas de vários, que terão de arcar com os custos.
E como fica o Brasil? Sem dúvida, estamos melhores do que no passado. O País tem bons fundamentos econômicos. Jamais passamos por uma crise global com tanta munição e instrumentos para superá-la e minimizar seus efeitos para os anos vindouros. Basta comparar a situação atual com a que vivíamos na crise do México em 1995.
Infelizmente, isso não é suficiente para dizer que estamos “blindados”. Por ora, o impacto da crise financeira sobre os fundamentos econômicos domésticos não é muito forte. Mas os sinais do mercado financeiro, principalmente via restrição de crédito e taxa de câmbio, indicam que o impacto sobre a economia real pode ser importante, o que demanda que as autoridades brasileiras continuem agindo para evitar um maior contágio da economia.
Nesse contexto, a função e a obrigação do Banco Central e do Tesouro são antecipar movimentos de mercados e, conseqüentemente, sobre a economia. Ambas as instituições têm recursos técnicos, informação e instrumentos necessários para tomar medidas ágeis e preventivas contra eventuais crises.
O Brasil, como participante de toda a euforia da economia mundial nos últimos anos, também terá de arcar com uma parte do custo, o que significa: 1) taxa de câmbio mais elevada do que a que víamos até meados deste ano; 2) menor crescimento do crédito; e 3) menor expansão do PIB. No entanto, esse quadro pode se agravar se existir leniência por parte do governo.
Não é hora de blablablá sobre blindagem ou “vingança dos colonizados” por parte das autoridades. A ambigüidade entre Fazenda e Banco Central é destruidora. Os fundamentos econômicos ainda são bons, mas sem uma firme ação conjunta de políticas monetária, fiscal e cambial, preferencialmente liderada pelo Banco Central, a vaca vai para o brejo.
Num contexto maior, o capitalismo sobreviverá. Obviamente, alguns reparos serão necessários, como, por exemplo, o desenvolvimento e a implementação de um “Basiléia 3”, de câmaras de compensação de derivativos, regras contábeis mais transparentes para derivativos e outras coisas do gênero. Mas o capitalismo é ainda o melhor sistema existente e que permite geração e distribuição de riqueza. Sem ele e sem liberdade nos mercados de bens e de capitais, o mundo estaria muito pior.
*Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada e este artigo foi publicado no jornal O Estado de São Paulo