Deputado Elcio Alvares*

Um dos pilares da democracia é a representação. Dela decorre o que chamamos, contemporaneamente, de democracia representativa e cujas bases, como a conhecemos, foi estabelecida nos Estados Unidos a partir da independência e da constituição daquela que é a maior e mais importante democracia do mundo. Os Estados Unidos e seu sistema se tornaram espelho para o mundo, influenciando no desenvolvimento de democracias em todos os hemisférios, sejam elas próximas ou distantes do modelo norte-americano.

Thomas Jefferson e seus companheiros da 13 colônias tinham, ao proclamar a independência dos Estados Unidos da Inglaterra, uma preocupação: dar equilíbrio à representação dos Estados e, ao mesmo tempo, encontrar mecanismos que fizessem o povo participar das decisões, sem necessidade da sucessão de plebiscitos ou assembléias. Nascia, então, a votação em representantes, com a apresentação de candidatos em determinado círculo eleitoral, chamado de distrito.

Hoje, este é o sistema político dominante e não se discute se ele é o melhor. As discussões são de outra ordem e prendem-se às formas de melhorá-lo e à representatividade dos ocupantes dos cargos eletivos, sejam eles do Executivo ou do Legislativo. A invenção dos gregos – o governo de muitos – acabou se transformando na forma dominante de Governo, tenha o regime cunho presidencialista ou parlamentarista. A discussão sobre a propriedade do regime já está superada. O que se analisa, atualmente, são formas de dar-lhe um novo frescor, uma maior representação.

A discussão neste campo não se restringe ao Brasil. E não é exclusividade de uma ou outra corrente do pensamento político. Da extrema esquerda à extrema direita há estudiosos e lideranças discutindo a essência do processo democrático e de como, nele, melhorar a representação do cidadão, fazendo com que o Parlamento tenha maior sintonia com a população e esteja mais próximo dos seus anseios, mesmo levando em conta o interesse público, que se sobrepõe sobre o interesse individual.

Neste panorama, a questão levantada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, quando prega a reforma política, não é nova. Pelo contrário, é uma questão recorrente e faz parte da agenda legislativa há muitos anos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, onde tive a honra de representar o Espírito Santo por oito anos. Embora exista um consenso de que é necessário uma reforma, não há entendimento de como ela deve ser. Alguns pontos, no entanto, são essenciais e precisam ser atacados.

Um dos primeiros pontos que temos de discutir e definir é o sistema de votação. O país adota, há anos, o sistema proporcional. O eleitor vota em um candidato que, no final, mesmo tendo uma votação expressiva, pode não ser eleito. É que ele depende da proporcionalidade dos votos em todos os partidos, que elegem representantes na medida em que sua legenda tem mais ou menos voto. No sistema proporcional, quanto mais votos uma legenda tiver, mais votos precisa o candidato para se eleger.

É por isso que, no caso do Espírito Santo, já tivemos candidatos com cerca de 100 mil votos que não se elegeram. E outros, com muito menos, que chegaram ao Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa e às Câmaras Municipais. Neste sistema, prevalecem os chamados puxadores de voto, mas, no final, uma grande parcela dos eleitores – a sua maioria, na verdade – acaba ficando sem representantes no Legislativo, já que o seu candidato não foi eleito.

O que fazer para mudar a situação? No meu entender, um dos primeiros passos é a adoção do voto distrital. Com ele, a eleição deixa de ser proporcional para se transformar em majoritária, ganhando, no final, quem obtiver mais votos. Exatamente como acontece com a eleição de governadores e senadores. O voto distrital, sem dúvida, traz maior representatividade ao eleito, que se circunscreve a um distrito, representando seus eleitores e, porisso mesmo, tendo um acompanhamento melhor deles. Pode, assim, afirmar que fala em nome do distrito e de seus eleitores, já que obteve a maioria dos votos.

A eleição mediante o voto distrital pode, também, contribuir para baratear a campanha. Se alguém é conhecido em seu distrito, já tem serviços prestados, está engajado em causas públicas e se dispõe a concorrer a um cargo eletivo, suas chances são melhores. Além disso, pode se circunscrever a uma área geográfica específica, não necessitando de buscar votos em todo o Estado. Sua campanha terá, então, maior visibilidade, atingindo um eleitorado específico e, no caso de ser eleito, tornando-se o intermediário de suas reivindicações e aspirações na câmara legislativa de que participar.

A partir do voto distrital é preciso, também, fortalecer o partido. Os votos dados pelo eleitor não devem pertencer ao candidato, mas ao partido. É ele o responsável pela candidatura e pela apresentação de um programa mínimo – a plataforma de campanha – que irá levar ou não o candidato à eleição. Assim, o eleitor embora escolha um candidato, ao votar está sufragando a plataforma do partido, suas propostas para o Legislativo, da mesma forma que o faz quando vota em um cargo Executivo.

O terceiro ponto é vincular o eleito à legenda que o elegeu. Considerando que os votos são do partido, não do candidato, ele só se manteria na Câmara Legislativa para a qual se elegeu se permanecesse no partido. No caso de sair, outro candidato, o segundo mais votado, seria convocado. A lógica deste procedimento prende-se ao fato de os votos, neste novo sistema, ser do partido, não de pessoas. A conseqüência é que teríamos um fortalecimento dos partidos enquanto instituições, o que é bom para a democracia, para o Estado e para a representatividade dos eleitos.

Um quarto ponto é o financiamento público de campanha. Todas as democracias mais avançadas do mundo o adotam. Em princípio, isso não significa que ele seja melhor. Mas é, no caso das disputas eleitorais, um meio de dar àqueles que têm pouco ou não têm recursos financeiros condições de disputar um cargo eletivo. Ao mesmo tempo e sob uma fiscalização rígida e severa, este tipo de financiamento pode coibir o caixa dois e, portanto, proporcionar uma eleição mais democrática e transparente.

Há, ainda, um quinto ponto que deve ser discutido, que é o tipo de voto distrital a ser adotado e se ele envolverá ou não a lista partidária. Este é o sistema adotado, por exemplo, pela Alemanha. Nele, o partido lista os candidatos que oferece à opinião pública, por ordem hierárquica. Assim, se tiver direito a apresentar 20 candidatos, listará os 20 nomes pela ordem, do primeiro ao vigésimo. Eles serão eleitos respeitando-se esta ordem, na dependência dos votos obtidos pelo partido. O sistema reforça o vínculo entre o eleitor e o partido, institucionalizando-o inteiramente e transformando o partido, não o eleito, no representante do eleitor.

O sistema pode ser, também, misto. Isto significa que, dessa forma, uma parte dos eleitos o é pela listagem partidária, com o partido determinando seu lugar na lista e sua importância para a própria agremiação. E outra parte é eleita pelo voto direto, com sentido majoritário. A soma dos dois, fornece a representação, que continua sendo partidária, não pessoal. Alguns países o adotam com sucesso e no Brasil existem propostas para a sua adoção. O mais comum, no entanto, é o sistema distrital puro, como existe nos Estados Unidos e Inglaterra, com a eleição no distrito tendo caráter majoritário, com os partidos disputando e vencendo quem obtiver maioria de votos.

A mudança na representação, dando-lhe mais qualidade, não é, no entanto, a única de uma reforma política. Existem outros importantes pontos que devem ser olhados e um deles é a própria função do Legislativo, que ao longo dos últimos anos, principalmente no Brasil, perdeu poderes para o Executivo, que expandiu os seus. O Legislativo, no nosso entender, é uma caixa de ressonância do povo, que representa, e por isso tem de estar com ele sintonizado. De outro lado, os parlamentares – em todos os níveis – têm de olhar o interesse público, estabelecendo o equilíbrio entre o que quer o cidadão e o que é possível fazer. O objetivo final é que a maior parte seja beneficiada, se não for possível fazer-se para todos.

A recuperação de poderes pelo Legislativo traria mais equilíbrio ao poder, que no Brasil é tripartido, servindo, em alguns casos, como um freio ao Executivo. Poderia, também, favorecer o Judiciário, capaz de ter um Legislativo mais atuante e, com isso, mais sintonizado com as mudanças necessárias, por exemplo, à agilização da Justiça..

Pelo aqui exposto já se vê que a reforma política não é uma questão fácil. Também não é a panacéia que irá resolver todos os males do Brasil. Ela é necessária, precisa ser feita e as modificações têm de levar em conta, em primeiro lugar, a necessidade de aumento da representatividade, fazendo com que o eleito tenha um elo maior com o seu eleitor. Esta é a questão central e tem sido objeto de estudo em todo o mundo onde há democracia e existe um desejo de aperfeiçoá-la.

Como invenção, a democracia mostrou-se um sucesso. A partir dos gregos e de Atenas, ela acabou transformando-se no sistema dominante. E tem passado, ao longo dos séculos, por vários aperfeiçoamentos e continua a progredir. O que não mudou foram seus fundamentos, cuja base está na representação. Os gregos descobriram que não era possível ter um governo com todos participando das decisões. Era preciso que os cidadãos fossem representados e foi para isso que surgiram as assembléias, hoje reproduzidas nos nossos legislativos.

O que precisamos fazer agora, como centro de uma reforma política, é tornar a representação efetiva, desenvolvendo mecanismos que permitam a ligação do eleito e de seu partido com a sua base. Ao fazermos isso estaremos melhorando nosso grau de participação, dando maior poder ao cidadão e, ao mesmo tempo, contribuindo para a melhoria e o aperfeiçoamento da democracia.

* Elcio Álvares é advogado e jornalista. Foi Deputado Federal, Governador do Espírito Santo, Senador da República e Ministro de Estado por duas vezes. Atualmente é Deputado Estadual e Líder do Governo Paulo Hartung na Assembléia do Espírito Santo.