Senador Marco Maciel

O ideal republicano entre nós sempre foi indissociável da democracia. Nabuco de Araújo, que tanto e tantas vezes serviu à Monarquia, 20 anos antes da Proclamação da República, denunciava da tribuna parlamentar: “Vede este sorites fatal, este sorites que acaba com a existência do sistema representativo: o poder moderador pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição; porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis, aí está o sistema representativo do nosso país”.

No prefácio do livro de Raimundo Faoro A República inacabada, o jurista Fábio Konder Comparato lembra que, “a partir do término da Guerra do Paraguai, a ideia de democracia, ou de República democrática, foi rapidamente expurgada de suas conotações subversivas, e passou a ser invocada de público, não obviamente como soberania popular, mas como justificativa retórica da autonomia política no plano local”.

E acentua: “Democracia e expressões cognatas, como solidariedade democrática, liberdade democrática, princípios democráticos ou garantias democráticas, aparecem nada menos de 28 vezes no Manifesto Republicano de 1870”.

Quando, como agora, rememoramos, comemoramos e celebramos as conquistas de mais de um século de práticas republicanas em nosso país, é indispensável e conveniente lembrar que a Proclamação da República não se cingiu a mudanças no sistema de governo.

Vivemos em 1889 uma revolução cujos resultados significaram uma transformação radical de nossos costumes e práticas políticas. Mudamos a forma do Estado: da modalidade unitária, passamos a configurar o país como uma Federação.

Transitamos do sistema de governo semiparlamentarista para o presidencialista. Da mesma forma, passamos de um Estado dotado de uma religião oficial para um Estado laico.

Superamos assim o regime que, da tribuna do Parlamento, Nabuco de Araújo chamara de absolutista.

Passamos por dificuldades, enfrentamos insubordinações, revoltas, rebeliões, revoluções e movimentos armados de toda natureza. Padecemos o fechamento do Congresso em mais de uma oportunidade.

Nossos percalços se acentuaram na medida em que enfrentamos crises econômicas, tensões sociais e conflitos políticos e ideológicos. Mas em todos esses momentos dramáticos, em que os princípios democráticos estiveram em jogo, a integridade republicana jamais esteve ameaçada.

Aliás, sobre o tema, o publicista Gilberto Dupas observou: “Embora seja possível utilizar res publica como a expressão latina genérica para indicar o Estado e suas formas de governo, antes de tudo ela significa “coisa pública”. Povo deve ser entendido aqui não como multidão reunida, mas como sociedade organizada em torno da comunhão de interesses e da busca da justiça mais ampla possível. (…) Os revolucionários franceses foram influenciados pelo conceito de república de Montesquieu, uma espécie de “modelo moral” de Estado ideal; portanto, um Estado como “deveria ser””.

Norberto Bobbio, no Diário de um século Autobiografia, observa que: “(…) já o dissera o velho Montesquieu, que o fundamento da boa república, antes mesmos das boas leis, é a virtude dos cidadãos”.

E, em pregação incessante pela implantação da República em Portugal, Antero de Quental sentenciou na obra In prosas: “Quem diz democracia diz naturalmente república. Se a democracia é uma ideia, a república é a sua palavra; se é uma vontade, a república é a sua ação”.

Gilberto Freyre sempre qualificou o tempo como “tríbio”, ou seja, marcado por uma interposição de presente, passado e futuro. Não podemos deixar de ter sempre presente que algo do passado habita dentro de nós e igualmente há sempre a presença do futuro a nos conduzir. Daí por que acredito que é hora de aproveitarmos este instante para pensarmos o país, o seu povo e as suas instituições.

Não somos um povo sem defeitos, nem vivemos num regime acabado. Temos carências a suprir, temos obstáculos a superar, temos fragilidades a corrigir, temos desigualdades a vencer. Mas temos como legado das gerações que nos antecederam uma legenda de paz, de concórdia e de tolerância, que é um dos mais expressivos traços de nossa nacionalidade.

Marco Maciel, além de senador (DEM-PE), é membro da Academia Brasileira de Letras.